Prancha de Surf


A minha relação entre a Praia e o Mar ficou sempre marcada pela minha prancha de surf. Quando eu era jovem, a praia que os meus pais me levavam era uma praia muito famosa, por ser frequentada por surfistas, e eu ficava vidrado, a vê-los a dominar as ondas. Este fascínio fez com que eu rapidamente pedisse que me comparassem uma prancha, para poder começar a tentar imita-los.

Toda a minha adolescência foi dividida entre a Escola e o Mar, com um grupo de amigos que passava o máximo tempo possível, na areia daquela praia. Era grupo fantástico de camaradagem, onde fiz amigos para vida, e cresci muito como pessoa. Éramos rapazes e raparigas, mas desse grupo destacava-se a Francisca, pois conseguiu ir representar várias vezes Portugal, em provas internacionais.

Com o passar do tempo, e por motivos familiares ou profissionais, foi afastando lentamente todos os elementos do grupo. Hoje em dia, apenas eu ainda vivo perto daquela praia, e a Francisca, que abriu um bar e uma Escola de Surf. Aquela mulher não vive sem aquele areal, nem a forte ondulação daquele oceano.

O Bar da Francisca era um local onde eu gostava de parar com regularidade, pois fazia-me recordar esses bons tempos, e fazia-me relaxar da minha atribulada vida profissional. Ficar a ver aqueles jovens a enfrentar as onde fazia-me relaxar, e fazia-me viajar no tempo. A minha prancha estava guardada religiosamente no meu quarto, e eu tratava dela e estimava-a, como se fosse um assíduo praticamente, apesar de não enfrentar as ondas há muitos anos.

Com a chegada da Primavera, a Francisca acabou por me lançar o desafio de eu voltar a enfrentar o Atlântico, mas eu muito séptico, disse não me sentir à vontade nem preparado para novas aventuras, mas ela acabou mesmo por me convencer, dizendo que me faria companhia, e não haveria problemas, afinal ela era professora de surf.

Foi um delicioso regresso ao passado. Nós os dois, cada um na sua prancha, a recordar todos os momentos que já tinham vivido naquela praia, as aventuras, os namorados, as loucuras. E foi naquele momento, que ambos voltamos a falar de uma tarde, em que os dois, igualmente como hoje, tinham enfrentado o mar apenas os dois, acabando por se envolver dentro de água. Beijos, abraços, atracção. A recordação desta história fez com que os nossos lábios se voltassem a tocar.

Os corpos colaram-se, mergulhados naquela água salgada, e com o Sol como testemunha. A memória transformou-se em desejo, em vontade de os corpos se voltarem em fundir num só. Voltei a conhecer o quente interior da Francisca, que estava melhor do que nunca. A ondulação do Mar ajudava no prazer, e na voracidade com que os dois corpos se entregavam, fazendo prolongar a intensidade da nossa satisfação, de uma forma quase interminável.

A entrega foi total e intensa, conseguindo oferecer um ao outro, exactamente o que desejamos, deixando a água do mar, limpar todas as marcas do nosso pecado. Voltamos para o areal onde ficamos os dois totalmente esticados a tentar recuperar a energia que tínhamos acabado de esgotar. Aquilo que tínhamos acabado de sentir, não tinha sido prazer carnal, mas sim o prazer de reviver uma história antiga. Era o prazer das memórias de juventude.

Mais uma vez, aquela minha prancha de surf presenciou um momento fantástico da minha vida. Ai se ela falasse….

Foto: Tony Arruza (corbis.com)